Mensagem do Papa pelo Dia Mundial da Paz 2013
Celebrado no dia 1º de janeiro, o Dia Mundial da Paz é uma data que foi criada para que todas as pessoas, cristãs e não cristãs, se unissem em prol da paz no planeta. Há 45 anos, o papa Paulo VI, divulgou uma mensagem, em 8 de dezembro, para que a data fosse celebrada sempre no primeiro dia do ano civil (1º de janeiro), a partir do ano de 1968.
Seguindo
a tradição, a mensagem do sumo pontífice, para o Dia Mundial da Paz
2013, foi apresentada em coletiva de imprensa, hoje, 14 de dezembro, na
Sala de Imprensa do Vaticano.
Leia a mensagem:
Dia Mundial da Paz
1º de janeiro de 2013
1º de janeiro de 2013
Bem-aventurados os obreiros da paz
1. Cada
ano novo traz consigo a expectativa de um mundo melhor. Nesta
perspectiva, peço a Deus, Pai da humanidade, que nos conceda a
concórdia e a paz a fim de que possam tornar-se realidade, para todos,
as aspirações duma vida feliz e próspera.
À
distância de 50 anos do início do Concílio Vaticano II, que permitiu
dar mais força à missão da Igreja no mundo, anima constatar como os
cristãos, Povo de Deus em comunhão com Ele e caminhando entre os
homens, se comprometem na história compartilhando alegrias e
esperanças, tristezas e angústias, anunciando a salvação de Cristo e
promovendo a paz para todos.
Na
realidade o nosso tempo, caracterizado pela globalização, com seus
aspectos positivos e negativos, e também por sangrentos conflitos ainda
em curso e por ameaças de guerra, requer um renovado e concorde
empenho na busca do bem comum, do desenvolvimento de todo o homem e do
homem todo.
Causam
apreensão os focos de tensão e conflito causados por crescentes
desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma mentalidade
egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um
capitalismo financeiro desregrado. Além de variadas formas de
terrorismo e criminalidade internacional, põem em perigo a paz aqueles
fundamentalismos e fanatismos que distorcem a verdadeira natureza da
religião, chamada a favorecer a comunhão e a reconciliação entre os
homens.
E no
entanto as inúmeras obras de paz, de que é rico o mundo, testemunham a
vocação natural da humanidade à paz. Em cada pessoa, o desejo de paz é
uma aspiração essencial e coincide, de certo modo, com o anelo por uma
vida humana plena, feliz e bem sucedida. Por outras palavras, o desejo
de paz corresponde a um princípio moral fundamental, ou seja, ao
dever-direito de um desenvolvimento integral, social, comunitário, e
isto faz parte dos desígnios que Deus tem para o homem. Na verdade, o
homem é feito para a paz, que é dom de Deus.
Tudo
isso me sugeriu buscar inspiração, para esta Mensagem, às palavras de
Jesus Cristo: «Bem--aventurados os obreiros da paz, porque serão
chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).
A bem-aventurança evangélica
2. As
bem-aventuranças proclamadas por Jesus (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23)
são promessas. Com efeito, na tradição bíblica, a bem-aventurança é um
género literário que traz sempre consigo uma boa nova, ou seja um
evangelho, que culmina numa promessa. Assim, as bem-aventuranças não
são meras recomendações morais, cuja observância prevê no tempo devido –
um tempo localizado geralmente na outra vida – uma recompensa, ou
seja, uma situação de felicidade futura; mas consistem sobretudo no
cumprimento duma promessa feita a quantos se deixam guiar pelas
exigências da verdade, da justiça e do amor. Frequentemente, aos olhos
do mundo, aqueles que confiam em Deus e nas suas promessas aparecem
como ingénuos ou fora da realidade; ao passo que Jesus lhes declara que
já nesta vida – e não só na outra – se darão conta de serem filhos de
Deus e que, desde o início e para sempre, Deus está totalmente
solidário com eles. Compreenderão que não se encontram sozinhos, porque
Deus está do lado daqueles que se comprometem com a verdade, a justiça
e o amor. Jesus, revelação do amor do Pai, não hesita em oferecer-Se a
Si mesmo em sacrifício. Quando se acolhe Jesus Cristo, Homem-Deus,
vive-se a jubilosa experiência de um dom imenso: a participação na
própria vida de Deus, isto é, a vida da graça, penhor duma vida
plenamente feliz. De modo particular, Jesus Cristo dá-nos a paz
verdadeira, que nasce do encontro confiante do homem com Deus.
A
bem-aventurança de Jesus diz que a paz é, simultaneamente, dom
messiânico e obra humana. Na verdade, a paz pressupõe um humanismo
aberto à transcendência; é fruto do dom recíproco, de um mútuo
enriquecimento, graças ao dom que provém de Deus e nos permite viver
com os outros e para os outros. A ética da paz é uma ética de comunhão e
partilha. Por isso, é indispensável que as várias culturas de hoje
superem antropologias e éticas fundadas sobre motivos teorico-práticos
meramente subjectivistas e pragmáticos, em virtude dos quais as
relações da convivência se inspiram em critérios de poder ou de lucro,
os meios tornam-se fins, e vice-versa, a cultura e a educação
concentram-se apenas nos instrumentos, na técnica e na eficiência.
Condição preliminar para a paz é o desmantelamento da ditadura do
relativismo e da apologia duma moral totalmente autónoma, que impede o
reconhecimento de quão imprescindível seja a lei moral natural inscrita
por Deus na consciência de cada homem. A paz é construção em termos
racionais e morais da convivência, fundando-a sobre um alicerce cuja
medida não é criada pelo homem, mas por Deus. Como lembra o Salmo 29, « o
Senhor dá força ao seu povo; o Senhor abençoará o seu povo com a paz »
(v. 11).
A paz: dom de Deus e obra do homem
3. A paz
envolve o ser humano na sua integridade e supõe o empenhamento da
pessoa inteira: é paz com Deus, vivendo conforme à sua vontade; é paz
interior consigo mesmo, e paz exterior com o próximo e com toda a
criação. Como escreveu o Beato João XXIII na Encíclica Pacem in terris –
cujo cinquentenário terá lugar dentro de poucos meses –, a paz implica
principalmente a construção duma convivência humana baseada na
verdade, na liberdade, no amor e na justiça.A negação daquilo que
constitui a verdadeira natureza do ser humano, nas suas dimensões
essenciais, na sua capacidade intrínseca de conhecer a verdade e o bem
e, em última análise, o próprio Deus, põe em perigo a construção da
paz. Sem a verdade sobre o homem, inscrita pelo Criador no seu coração,
a liberdade e o amor depreciam-se, a justiça perde a base para o seu
exercício.
Para nos
tornarmos autênticos obreiros da paz, são fundamentais a atenção à
dimensão transcendente e o diálogo constante com Deus, Pai
misericordioso, pelo qual se implora a redenção que nos foi conquistada
pelo seu Filho Unigénito. Assim o homem pode vencer aquele germe de
obscurecimento e negação da paz que é o pecado em todas as suas formas:
egoísmo e violência, avidez e desejo de poder e domínio, intolerância,
ódio e estruturas injustas.
A
realização da paz depende sobretudo do reconhecimento de que somos, em
Deus, uma única família humana. Esta, como ensina a Encíclica Pacem in
terris, está estruturada mediante relações interpessoais e instituições
sustentadas e animadas por um «nós» comunitário, que implica uma ordem
moral, interna e externa, na qual se reconheçam sinceramente, com
verdade e justiça, os próprios direitos e os próprios deveres para com
os demais. A paz é uma ordem de tal modo vivificada e integrada pelo
amor, que se sentem como próprias as necessidades e exigências alheias,
que se fazem os outros comparticipantes dos próprios bens e que se
estende sempre mais no mundo a comunhão dos valores espirituais. É uma
ordem realizada na liberdade, isto é, segundo o modo que corresponde à
dignidade de pessoas que, por sua própria natureza racional, assumem a
responsabilidade do próprio agir.
A paz
não é um sonho, nem uma utopia; a paz é possível. Os nossos olhos devem
ver em profundidade, sob a superfície das aparências e dos fenómenos,
para vislumbrar uma realidade positiva que existe nos corações, pois
cada homem é criado à imagem de Deus e chamado a crescer contribuindo
para a edificação dum mundo novo. Na realidade, através da encarnação
do Filho e da redenção por Ele operada, o próprio Deus entrou na
história e fez surgir uma nova criação e uma nova aliança entre Deus e o
homem (cf. Jr 31, 31-34), oferecendo-nos a possibilidade de ter « um
coração novo e um espírito novo » (cf. Ez 36, 26).
Por isso
mesmo, a Igreja está convencida de que urge um novo anúncio de Jesus
Cristo, primeiro e principal factor do desenvolvimento integral dos
povos e também da paz. Na realidade, Jesus é a nossa paz, a nossa
justiça, a nossa reconciliação (cf. Ef 2, 14; 2 Cor 5, 18). O obreiro
da paz, segundo a bem--aventurança de Jesus, é aquele que procura o bem
do outro, o bem pleno da alma e do corpo, no tempo presente e na
eternidade.
A partir
deste ensinamento, pode-se deduzir que cada pessoa e cada comunidade –
religiosa, civil, educativa e cultural – é chamada a trabalhar pela
paz. Esta consiste, principalmente, na realização do bem comum das
várias sociedades, primárias e intermédias, nacionais, internacionais e
a mundial. Por isso mesmo, pode-se supor que os caminhos para a
implementação do bem comum sejam também os caminhos que temos de seguir
para se obter a paz.
Obreiros da paz são aqueles que amam,defendem e promovem a vida na sua integridade
4.
Caminho para a consecução do bem comum e da paz é, antes de mais nada, o
respeito pela vida humana, considerada na multiplicidade dos seus
aspectos, a começar da concepção, passando pelo seu desenvolvimento até
ao fim natural. Assim, os verdadeiros obreiros da paz são aqueles que
amam, defendem e promovem a vida humana em todas as suas dimensões:
pessoal, comunitária e transcendente. A vida em plenitude é o ápice da
paz. Quem deseja a paz não pode tolerar atentados e crimes contra a
vida.
Aqueles
que não apreciam suficientemente o valor da vida humana, chegando a
defender, por exemplo, a liberalização do aborto, talvez não se dêem
conta de que assim estão a propor a prossecução duma paz ilusória. A
fuga das responsabilidades, que deprecia a pessoa humana, e mais ainda o
assassinato de um ser humano indefeso e inocente nunca poderão gerar
felicidade nem a paz. Na verdade, como se pode pensar em realizar a
paz, o desenvolvimento integral dos povos ou a própria salvaguarda do
ambiente, sem estar tutelado o direito à vida dos mais frágeis, a
começar pelos nascituros? Qualquer lesão à vida, de modo especial na
sua origem, provoca inevitavelmente danos irreparáveis ao
desenvolvimento, à paz, ao ambiente. Tão pouco é justo codificar
ardilosamente falsos direitos ou opções que, baseados numa visão
redutiva e relativista do ser humano e com o hábil recurso a expressões
ambíguas tendentes a favorecer um suposto direito ao aborto e à
eutanásia, ameaçam o direito fundamental à vida.
Também a
estrutura natural do matrimónio, como união entre um homem e uma
mulher, deve ser reconhecida e promovida contra as tentativas de a
tornar, juridicamente, equivalente a formas radicalmente diversas de
união que, na realidade, a prejudicam e contribuem para a sua
desestabilização, obscurecendo o seu carácter peculiar e a sua
insubstituível função social.
Estes
princípios não são verdades de fé, nem uma mera derivação do direito à
liberdade religiosa; mas estão inscritos na própria natureza humana –
sendo reconhecíveis pela razão – e consequentemente comuns a toda a
humanidade. Por conseguinte, a acção da Igreja para os promover não tem
carácter confessional, mas dirige-se a todas as pessoas,
independentemente da sua filiação religiosa. Tal acção é ainda mais
necessária quando estes princípios são negados ou mal entendidos,
porque isso constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana, uma
ferida grave infligida à justiça e à paz.
Por
isso, uma importante colaboração para a paz é dada também pelos
ordenamentos jurídicos e a administração da justiça quando reconhecem o
direito ao uso do princípio da objecção de consciência face a leis e
medidas governamentais que atentem contra a dignidade humana, como o
aborto e a eutanásia.
Entre os
direitos humanos basilares mesmo para a vida pacífica dos povos,
conta-se o direito dos indivíduos e comunidades à liberdade religiosa.
Neste momento histórico, torna-se cada vez mais importante que este
direito seja promovido não só negativamente, como liberdade de – por
exemplo, de obrigações e coacções quanto à liberdade de escolher a
própria religião –, mas também positivamente, nas suas várias
articulações, como liberdade para: por exemplo, para testemunhar a
própria religião, anunciar e comunicar a sua doutrina; para realizar
actividades educativas, de beneficência e de assistência que permitem
aplicar os preceitos religiosos; para existir e actuar como organismos
sociais, estruturados de acordo com os princípios doutrinais e as
finalidades institucionais que lhe são próprias. Infelizmente vão-se
multiplicando, mesmo em países de antiga tradição cristã, os episódios
de intolerância religiosa, especialmente contra o cristianismo e
aqueles que se limitam a usar os sinais identificadores da própria
religião.
O
obreiro da paz deve ter presente também que as ideologias do
liberalismo radical e da tecnocracia insinuam, numa percentagem cada
vez maior da opinião pública, a convicção de que o crescimento
económico se deve conseguir mesmo à custa da erosão da função social do
Estado e das redes de solidariedade da sociedade civil, bem como dos
direitos e deveres sociais. Ora, há que considerar que estes direitos e
deveres são fundamentais para a plena realização de outros, a começar
pelos direitos civis e políticos.
E, entre
os direitos e deveres sociais actualmente mais ameaçados, conta-se o
direito ao trabalho. Isto é devido ao facto, que se verifica cada vez
mais, de o trabalho e o justo reconhecimento do estatuto jurídico dos
trabalhadores não serem adequadamente valorizados, porque o crescimento
económico dependeria sobretudo da liberdade total dos mercados. Assim o
trabalho é considerado uma variável dependente dos mecanismos
económicos e financeiros. A propósito disto, volto a afirmar que não só
a dignidade do homem mas também razões económicas, sociais e políticas
exigem que se continue « a perseguir como prioritário o objectivo do
acesso ao trabalho para todos, ou da sua manutenção ».4 Para se
realizar este ambicioso objectivo, é condição preliminar uma renovada
apreciação do trabalho, fundada em princípios éticos e valores
espirituais, que revigore a sua concepção como bem fundamental para a
pessoa, a família, a sociedade. A um tal bem corresponde um dever e um
direito, que exigem novas e ousadas políticas de trabalho para todos.
Construir o bem da paz através de um novo modelo de desenvolvimento e de economia
5. De
vários lados se reconhece que, hoje, é necessário um novo modelo de
desenvolvimento e também uma nova visão da economia. Quer um
desenvolvimento integral, solidário e sustentável, quer o bem comum
exigem uma justa escala de bens-valores, que é possível estruturar
tendo Deus como referência suprema. Não basta ter à nossa disposição
muitos meios e muitas oportunidades de escolha, mesmo apreciáveis; é
que tanto os inúmeros bens em função do desenvolvimento como as
oportunidades de escolha devem ser empregues de acordo com a
perspectiva duma vida boa, duma conduta recta, que reconheça o primado
da dimensão espiritual e o apelo à realização do bem comum. Caso
contrário, perdem a sua justa valência, acabando por erguer novos
ídolos.
Para
sair da crise financeira e económica actual, que provoca um aumento das
desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que
promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da
própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo
económico. O modelo que prevaleceu nas últimas décadas apostava na
busca da maximização do lucro e do consumo, numa óptica individualista e
egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de
dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra
perspectiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido
com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria
capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento económico
suportável, isto é, autenticamente humano tem necessidade do princípio
da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom.
Concretamente na actividade económica, o obreiro da paz aparece como
aquele que cria relações de lealdade e reciprocidade com os
colaboradores e os colegas, com os clientes e os usuários. Ele exerce a
actividade económica para o bem comum, vive o seu compromisso como
algo que ultrapassa o interesse próprio, beneficiando as gerações
presentes e futuras. Deste modo sente-se a trabalhar não só para si
mesmo, mas também para dar aos outros um futuro e um trabalho dignos.
No
âmbito econômico, são necessárias – especialmente por parte dos Estados
– políticas de desenvolvimento industrial e agrícola que tenham a
peito o progresso social e a universalização de um Estado de direito e
democrático. Fundamental e imprescindível é também a estruturação ética
dos mercados monetário, financeiro e comercial; devem ser
estabilizados e melhor coordenados e controlados, de modo que não
causem dano aos mais pobres. A solicitude dos diversos obreiros da paz
deve ainda concentrar-se – com mais determinação do que tem sido feito
até agora – na consideração da crise alimentar, muito mais grave do que
a financeira. O tema da segurança das provisões alimentares voltou a
ser central na agenda política internacional, por causa de crises
relacionadas, para além do mais, com as bruscas oscilações do preço das
matérias--primas agrícolas, com comportamentos irresponsáveis por
parte de certos agentes económicos e com um controle insuficiente por
parte dos Governos e da comunidade internacional. Para enfrentar
semelhante crise, os obreiros da paz são chamados a trabalhar juntos em
espírito de solidariedade, desde o nível local até ao internacional,
com o objectivo de colocar os agricultores, especialmente nas pequenas
realidades rurais, em condições de poderem realizar a sua actividade de
modo digno e sustentável dos pontos de vista social, ambiental e
económico.
Educação para uma cultura da paz:o papel da família e das instituições
6.
Desejo veementemente reafirmar que os diversos obreiros da paz são
chamados a cultivar a paixão pelo bem comum da família e pela justiça
social, bem como o empenho por uma válida educação social.
Ninguém
pode ignorar ou subestimar o papel decisivo da família, célula básica
da sociedade, dos pontos de vista demográfico, ético, pedagógico,
económico e político. Ela possui uma vocação natural para promover a
vida: acompanha as pessoas no seu crescimento e estimula-as a
enriquecerem-se entre si através do cuidado recíproco. De modo
especial, a família cristã guarda em si o primordial projecto da
educação das pessoas segundo a medida do amor divino. A família é um
dos sujeitos sociais indispensáveis para a realização duma cultura da
paz. É preciso tutelar o direito dos pais e o seu papel primário na
educação dos filhos, nomeadamente nos âmbitos moral e religioso. Na
família, nascem e crescem os obreiros da paz, os futuros promotores
duma cultura da vida e do amor.
Nesta
tarefa imensa de educar para a paz, estão envolvidas de modo particular
as comunidades dos crentes. A Igreja toma parte nesta grande
responsabilidade através da nova evangelização, que tem como pontos de
apoio a conversão à verdade e ao amor de Cristo e, consequentemente, o
renascimento espiritual e moral das pessoas e das sociedades. O
encontro com Jesus Cristo plasma os obreiros da paz, comprometendo-os
na comunhão e na superação da injustiça.
Uma
missão especial em prol da paz é desempenhada pelas instituições
culturais, escolásticas e universitárias. Delas se requer uma notável
contribuição não só para a formação de novas gerações de líderes, mas
também para a renovação das instituições públicas, nacionais e
internacionais. Podem também contribuir para uma reflexão científica
que radique as actividades económicas e financeiras numa sólida base
antropológica e ética. O mundo actual, particularmente o mundo da
política, necessita do apoio dum novo pensamento, duma nova síntese
cultural, para superar tecnicismos e harmonizar as várias tendências
políticas em ordem ao bem comum. Este, visto como conjunto de relações
interpessoais e instituições positivas ao serviço do crescimento
integral dos indivíduos e dos grupos, está na base de toda a verdadeira
educação para a paz.
Uma pedagogia do obreiro da paz
7.
Concluindo, há necessidade de propor e promover uma pedagogia da paz.
Esta requer uma vida interior rica, referências morais claras e
válidas, atitudes e estilos de vida adequados. Com efeito, as obras de
paz concorrem para realizar o bem comum e criam o interesse pela paz,
educando para ela. Pensamentos, palavras e gestos de paz criam uma
mentalidade e uma cultura da paz, uma atmosfera de respeito,
honestidade e cordialidade. Por isso, é necessário ensinar os homens a
amarem-se e educarem-se para a paz, a viverem mais de benevolência que
de mera tolerância. Incentivo fundamental será « dizer não à vingança,
reconhecer os próprios erros, aceitar as desculpas sem as buscar e,
finalmente, perdoar »,7 de modo que os erros e as ofensas possam ser
verdadeiramente reconhecidos a fim de caminhar juntos para a
reconciliação. Isto requer a difusão duma pedagogia do perdão. Na
realidade, o mal vence-se com o bem, e a justiça deve ser procurada
imitando a Deus Pai que ama todos os seus filhos (cf. Mt 5, 21-48). É
um trabalho lento, porque supõe uma evolução espiritual, uma educação
para os valores mais altos, uma visão nova da história humana. É
preciso renunciar à paz falsa, que prometem os ídolos deste mundo, e
aos perigos que a acompanham; refiro-me à paz que torna as consciências
cada vez mais insensíveis, que leva a fechar-se em si mesmo, a uma
existência atrofiada vivida na indiferença. Ao contrário, a pedagogia
da paz implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e
perseverança.
Jesus
encarna o conjunto destas atitudes na sua vida até ao dom total de Si
mesmo, até «perder a vida» (cf. Mt 10, 39; Lc 17, 33; Jo 12, 25). E
promete aos seus discípulos que chegarão, mais cedo ou mais tarde, a
fazer a descoberta extraordinária de que falamos no início: no mundo,
está presente Deus, o Deus de Jesus Cristo, plenamente solidário com os
homens. Neste contexto, apraz-me lembrar a oração com que se pede a
Deus para fazer de nós instrumentos da sua paz, a fim de levar o seu
amor onde há ódio, o seu perdão onde há ofensa, a verdadeira fé onde há
dúvida. Por nossa vez pedimos a Deus, juntamente com o Beato João
XXIII, que ilumine os responsáveis dos povos para que, junto com a
solicitude pelo justo bem-estar dos próprios concidadãos, garantam e
defendam o dom precioso da paz; inflame a vontade de todos para
superarem as barreiras que dividem, reforçarem os vínculos da caridade
mútua, compreenderem os outros e perdoarem aos que lhes tiverem feito
injúrias, de tal modo que, em virtude da sua acção, todos os povos da
terra se tornem irmãos e floresça neles e reine para sempre a tão
suspirada paz.
Com esta
invocação, faço votos de que todos possam ser autênticos obreiros e
construtores da paz, para que a cidade do homem cresça em concórdia
fraterna, na prosperidade e na paz.
Vaticano, 8 de Dezembro de 2012.
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